28 fevereiro 2012

Manuel Bandeira – Dentro da Noite

Dentro da noite a vida canta


E esgarça névoas ao luar...

Fosco minguante o vale encanta.

Morreu pecando alguma santa...

A água não pára de chorar.


Há um amavio esparso no ar...

Donde virá ternura tanta?...

Paira um sossego singular

Dentro da noite...


Sinto no meu violão vibrar

A alma penada de uma infanta

Que definhou do mal de amar...


Ouve... Dir-se-ia uma garganta

Súplice, triste, a soluçar

Dentro da noite...


Manuel Bandeira



27 fevereiro 2012

Boa noite!
Ðiana®

Cecília Meireles - Murmúrio

Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!

Cecília Meireles

26 fevereiro 2012

Boa noite!



Ðiana®

Fernando Pessoa - Sossega Coração

Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.

Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!
Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.

Quer só a noite plácida e enorme.

A grande, universal, solene pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.

Fernando Pessoa

24 fevereiro 2012

Martha Medeiros

"Ausência física, ausência da voz e do cheiro, das risadas e do piscar de olhos, saudade da amizade que ficará na lembrança e em algumas fotos."
Martha Medeiros

23 fevereiro 2012

Fernando Pessoa - O Amor, Quando Se Revela

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.


Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Fernando Pessoa

22 fevereiro 2012

Boa noite!
Ðiana®

Manuel Bandeira - Poema de uma quarta feira de cinzas

Entre a turba grosseira e fútil
Um pierrot doloroso passa.
Veste-o uma túnica inconsútil
feita de sonho e de desgraça…

o seu delírio manso agrupa
atrás dele os maus e os basbaques.
Este o indigita, este outro apupa…
indiferente a tais ataques,

Nublaba a vista em pranto inútil,
Dolorosamente ele passa.
veste-o uma túnica inconsútil,
Feita de sonho e de desgraça…

Manuel Bandeira


17 fevereiro 2012

Boa noite!



Ðiana®

Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim - A Felicidade






Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A  felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de
flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma
lágrima de amor

A  felicidade do pobre parece
A grande ilusão do
carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a
fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Pra tudo se acabar na
quarta feira.

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A  felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar

A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada
É como esta
Noite
Passando, passando
Em busca da madrugada
Falem baixo, por favor
Prá que ela acorde
alegre como o dia
Oferecendo
beijos de amor

Tristeza não tem fim
Felicidade sim.

Tom Jobim


Para ouvir a música clique aqui.
http://www.aguiamidis.com/musicas/Amigos/alfazema/AGOSTINHO_DOS_SANTOS_A_Felicidade_KM.mid



16 fevereiro 2012

Boa noite!
Ðiana®

Sophia de Mello Breyner Andresen - Liberdade

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Sophia de Mello Breyner Andresen

15 fevereiro 2012

Boa noite!
  Ðiana®

Cecília Meireles - Sem Corpo Nenhum



Sem corpo nenhum,
como te hei de amar?
— Minha alma, minha alma,
tu mesma escolheste
esse doce mal!

Sem palavra alguma,
como o hei de saber?
— Minha alma, minha alma,
tu mesma desejas
o que não se vê!

Nenhuma esperança
me dás, nem te dou:
— Minha alma, minha alma,
eis toda a conquista
do mais longo amor!

Cecília Meireles

14 fevereiro 2012

13 fevereiro 2012

Boa noite!

Ðiana®

Marina Colasanti - Eu sei, mas não devia


  Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição.  Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.  À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural.  Às bactérias da água potável.  À contaminação da água do mar.   À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho,  a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.


Maria Colasanti